30.12.08

Fantástico 2009!

"De tudo, ficaram três coisas:
A certeza de que estamos sempre a começar,
a certeza de que é preciso continuar,
a certeza de que seremos interrompidos antes de terminar...

Portanto, devemos:
fazer da interrupção um caminho novo,
da queda um passo de dança,
do medo uma escada,
do sonho uma ponte,
da procura um encontro..."

Fernando Pessoa

22.12.08

Frase de época

A situação dos mercados financeiros é tão má que as mulheres estão de novo a casar por amor.

10.12.08

Profissão: repórter



Muda o "género" e toca o mesmo:

De vez em quando lá vem a frase. Quando vieste para o jornalismo já sabias que era assim, se querias ter uma vida normal devias ter escolhido outra profissão. A frase aparece normalmente às seis da tarde quando me vêm dar mais trabalho e eu digo que estou mesmo de saída. Ou quando são sete e eu já estou que nem posso e respondo mal a toda a gente. Quando quiseste ser jornalista já sabias. Já sabia?Por acaso não, não sabia. Lembro-me que foi em 1989 e o muro tinha acabado de cair e eu olhei para a televisão e pensei isto é que devia ser mesmo fixe, estar ali, onde as coisas acontecem. Não me ocorreu que aquilo eram horas de jantar e que para estar ali, onde as coisas acontecem, não ia estar em casa a comer sopinha. Mas talvez fosse porque ainda só tinha 14 anos e também jurava a pés juntos que nunca me apanhariam de aliança e tinha a certeza absoluta que ia ser podre de rica. Eu via os sinais do tempo na televisão e lia a grande reportagem e a revista do expresso e o independente e o público - estava eu no 11º ano quando saiu o público e foi um acontecimento, comprava todos os dias e, quando gostava mesmo de uma reportagem, recortava-a e guardava-a num dossier, as minas em áfrica, o orfanato na roménia, a perestroika, a guerra do iraque (a primeira), as chuvas na índia. E eu a sonhar em estar ali, onde as coisas acontecem. Tanta profissão bonita. Podia ter sido secretária, cabeleireira, funcionária da biblioteca, contabilista, professora, engenheira, advogada. E fui logo escolher esta. Não, não sabia. Malditos sejam o miguel sousa tavares e o miguel esteves cardoso, o barata feyo e o carlos fino, o pedro rosa mendes e o luís pedro nunes, o paulo moura e o vicente jorge silva, o adelino gomes e o josé pedro castanheira e todos os outros que me fizeram pensar que ser jornalista é que era. Todos homens. Eu devia ter percebido que havia algo errado.Mas não sabia. Nem mesmo quando entrei para a faculdade e comecei a pensar mais a serio nisto tudo. Ninguém me disse que eu ia ter que trabalhar fim-de-semana sim, fim-de-semana não. Nunca imaginei que o trabalho só começasse verdadeiramente lá para as quatro. Não me ocorreu que as creches fecham às sete da tarde. Nem mesmo, vejam só a minha ingenuidade, nem mesmo quando comecei a trabalhar e percebi que toda a gente entrava depois do almoço e só saía às tantas da noite. Eu tinha 22 anos e tinha muito tempo. Eu também podia trabalhar até às quinhentas e nem precisava de folgar, para quê?, eu era nova e estava cheia de pica. Nem parei para pensar como é que eles fariam para estar com os filhos. Posso até ter dedicado uns minutos ao assunto, vá, para concluir que o melhor era ter uma empregada, de preferência interna, o que iria ser fácil porque eu ia ser muita boa e ganhar pipas de massa. Claro.Pois é, a verdade é que eu não sabia. Burrice minha, é óbvio. Ninguém tem culpa. Mas, se eu soubesse, se eu soubesse alguma vez me teria metido nesta vida?Há dias em que só me apetece mandar isto tudo pro espaço, é o que vos digo. E é porque sou uma rapariga bem educada.

Foto: do filme 'Professione: reporter', de Michelangelo Antonioni (1975)

9.12.08

Ouro negro a preto-e-branco

A quebra acentuada do preço do petróleo nos mercados internacionais está a ser provocada por um triângulo de razões menos sobrenaturais do que o das Bermudas, mas com implicações mais graves e globais do que os desaparecimentos misteriosos no Atlântico:

1. a crise financeira que atirou as maiores economias do mundo para uma recessão aguda e arrastou para uma quebra na procura que não se sentia desde o último choque petrolífero há quase três décadas;

2. a fuga dos investidores nos últimos cinco meses que os levou a “saltar do barco” que transporta o ‘ouro negro’ antes que ele afunde;

3. a perspectiva de alterações profundas na política energética sopradas pela futura administração norte-americana, que quer acabar em dez anos com a dependência da maior economia do mundo do petróleo do Médio Oriente e da Venezuela e tem como meta ambiciosa a redução das emissões de gases com efeito de estufa em 80% até 2050. Do plano de estímulo à economia, em preparação e que pode ascender aos 700 mil milhões de dólares, estima-se que 10% será aplicado na componente “verde” das tecnologias limpas. Será mesmo assim?

5.12.08

Direitos Humanos: um ideal que vive à espera de se cumprir


Sessenta anos após a assinatura e proclamação da Declaração Universal dos Direitos do Homem em Paris, todo essa humanidade e a sua descendência esperam ainda que o mesmo ideal, sonhado e saído das feridas da segunda e última declarada guerra mundial, essa carta plena de impressionante e crua actualidade que já dobrou um século, enfim se cumpra. Na circunstância do sopro das velas sexagenárias, o desejo mais ou menos secreto a pedir reafirma-se, como um espelho de seis décadas, com a aguda consciência de que nenhuma sociedade pode aspirar ao progresso e à justiça sem que o iluminado respeito pelos direitos humanos veja a claridade dos dias.
"A libertação da discriminação por motivos de raça, cor, sexo, linguagem, religião, opinião política ou de outra índole, origem nacional ou social, posição económica, nascimento ou qualquer outra condição – as promessas da Declaração Universal – permanecem como um objectivo difícil de alcançar para muitas pessoas em todo o mundo. Os direitos à liberdade de expressão, de associação e de reunião, que são indispensáveis para o funcionamento da sociedade civil, continuam debaixo de ataque sustentado em todas as regiões do mundo", resume ao weekEnd a Alta-Comissária para os Direitos Humanos das Nações Unidas, Navi Pillay. Os mesmos atropelos que fazem ainda tremer os alicerces da atitude universalista cravada no ADN da Declaração continuam a ser denunciados pela Amnistia Internacional. O relatório de 2008 mostra que as pessoas ainda são torturadas ou maltratadas em, pelo menos, 81 países, enfrentam julgamentos injustos em, pelo menos, 54 países e são proibidas de se expressar livremente em, pelo menos, 77 países. Um diagnóstico sombrio projectado na voz de Irene Khan, secretária-geral da organização: "Os governos devem mostrar hoje o mesmo grau de visão, de coragem e de compromisso que levou as Nações Unidas a adoptar a DUDH há sessenta anos".
Não será por esta razão considerada a cidade-luz, mas foi na capital francesa que a 10 de Dezembro de 1948 o mundo viu nascer a declaração que Eleanor Roosevelt acreditava "poder bem tornar-se a 'Magna Carta' de todos os homens em toda a parte". Um ano depois da morte do marido e de abandonar a Casa Branca, a antiga primeira dama norte-americana, apoiante das políticas do "New Deal" de Franklin Delano, tornou-se a primeira mulher a chefiar a comissão dos Direitos Humanos da ONU. O calendário viu correr mais dois anos de trabalho até chegar aquele Dezembro em que Eleanor, ladeada por René Cassin e John Peters Humphrey, apresenta a compilação dos 30 artigos que os países da ONU consideram ser os direitos garantidos de todos os habitantes do planeta. Aquele que viria a tornar-se o documento mais traduzido em todo o mundo (certificação garantida pelo livro de recordes do Guiness), é viabilizado sem votos contra pelos 56 Estados integrantes da Assembleia Geral das Nações Unidas, com 48 votos favoráveis e a abstenção dos seis países do bloco soviético, a União Sul Africana e a Arábia Saudita. Sem se assumir como um tratado ou um acordo internacional, a verdade é que "a escassez prática da invocação legal ou constitucional da Declaração foi largamente compensada pelo intensivo significado simbólico-político que se lhe associa". E este mesmo carácter moral e idealista, na opinião do constitucionalista Bacelar Gouveia, faz com que a segunda metade do século XX fique "indelevelmente assinalada" como um dos períodos de maior progresso da humanidade.
Em 1948 Portugal não era ainda membro das Nações Unidas – a admissão só viria a ser conseguida a 14 de Dezembro de 1955 – pelo que a votação da Declaração não convocava a nação para uma tomada de posição pública, mantendo-se o país à margem da discussão, da ratificação e também do próprio respeito pelos direitos humanos, após 48 anos de uma traumática ditadura com atropelos aos direitos fundamentais, em especial os de coloração política. No advento da democracia em Abril de 1974, uma das principais preocupações dos parlamentares constituintes era a de garantir a efectiva protecção dos direitos, reflectindo-se esta ânsia na profusão de propostas apresentadas nos dois anos seguintes para projectos de Constituição e na unânime generosidade do texto constituinte nacional em sede de direitos fundamentais. Em Novembro de 1976, Mário Soares e o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Medeiros Ferreira, assinam a Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Três décadas volvidas, nem toda a legislação e prática de progressos faz o país escapar ao diagnóstico crítico da Amnistia Internacional. "Mantêm-se impunes casos de violência contras a mulheres e episódios de maus tratos policiais", assinala o documento, que refere ainda a passagem em solo nacional de voos da CIA transportando alegados terroristas.
A eurodeputada socialista Ana Gomes tem assumido uma das vozes políticas mais críticas sobre o transporte e as práticas de tortura a prisioneiros, sobretudo na base militar norte-americana de Guantanamo, em Cuba. "Os governos [europeus] que passam a vida com os direitos humanos na boca têm impedido a descoberta da verdade porque são cúmplices", acusa, fazendo questão de "separar as águas entre os que defendem situações aberrantes como Guantanamo e os outros que denunciam que não vale tudo e somos diferentes dos terroristas". Ao weekEnd, a ex-embaixadora em Jacarta que assumiu na década de 90 papel diplomático de relevo no processo de independência de Timor, refere que os direitos humanos continuam bem presentes no discurso político contemporâneo, mas "infelizmente há um grande desfasamento entre a retórica e a prática", exemplificando com a "hipocrisia resultante das prisões secretas". A alta-comissária da ONU para os Direitos Humanos admite igualmente "sérias falhas na implementação". "Devemos reconhecer que por vezes os direitos humanos são postos de parte em nome da segurança", frisa Navi Pillay.
O mundo contemporâneo coloca novos desafios à carta dos direitos humanos? Ana Gomes sublinha a "responsabilidade de proteger" e mostra-se contra os "espíritos arreigados à soberania dos Estados", pois, defende, quando estes falham na protecção dos cidadãos a comunidade internacional tem a obrigação de intervir. Se encarnasse Eleanor Roosevelt na história, Ana Gomes não mudaria nada. "Se houvesse algo a acrescentar seria algumas práticas relativas à protecção dos activistas dos direitos humanos que são aqueles que estão mais vulneráveis", corrige, logo de seguida, a mulher que o "The Parliament Magazine" distinguiu recentemente com o Prémio Eurodeputados 2008 na categoria de 'Activista do Ano'.
Texto (não editado) publicado hoje no suplemento weekEnd do Jornal de Negócios

4.12.08

o rei do fraque

Venham agora falar-me em superioridade institucional por um declarado sentimento anti-benfiquista...

P.S. Trata-se do mesmo homem que teve a honestidade e decência intelectual de considerar o tremoço como o seu marisco favorito.

6.11.08

Ele é único, mas tem algo em comum com toda a gente

A vida de Barack Hussein Obama espelha as múltiplas vidas de milhões de compatriotas seus, aí residindo parte do sucesso, materializado em votos, que o leva à Casa Branca no próximo ano. Essa identificação, que na terça-feira, e ao contrário do que muitos temiam, ultrapassou largamente a cor da pele, coloca-o no topo do mundo aos 47 anos.

O novo presidente dos EUA não encaixa num estereótipo, antes preenche vários. Tem a pele negra, um percurso talhado por dificuldades, mas também a melhor das educações que até um norte-americano republicano pode sonhar para os seus filhos.

Aos 23 anos larga um bom emprego em Nova Iorque para ajudar os pobres e marginalizados de Chicago a mobilizarem-se pela comunidade. Serpenteia pelos corredores do poder democrata, derrubando barreiras e apagando reticências, até ser eleito, há quatro anos, apenas o terceiro afro-americano no Senado desde o final do século XIX.

Obama tem uma pouco usual combinação de experiências de vida. Nasce no Hawai, passa a infância na Indonésia, volta adolescente para estudar nas melhores escolas e universidades do país (Columbia e Harvard), descobre o sentido das origens no Quénia, trabalha com as comunidades pobres em Chicago, cidade que escolhe para berço político.

Uma vida tão preenchida que aos 33 anos escreve um livro de memórias, recordando as lições e angústias de 'Barry', como era conhecido. É nesse manuscrito que admite o uso de drogas durante a juventude e recorda um princípio que aprende ainda muito novo da boca do padrasto indonésio: a virtude de se rodear de homens fortes quando lhe faltam as forças.

Ao crescer na ausência do pai biológico queniano e com a mãe Anna, natural do Kansas, muitas vezes distante, com a morte prematura de ambos depois, Obama transforma-se à força num homem que deve decidir e resolver as dificuldades por si próprio. Hoje tem a América e o mundo todo a abraçá-lo, mas problemas como a grave crise financeira e duas guerras no terreno estão sobre os seus ombros e, de novo, vai ter que ser ele a encontrar soluções.

A eloquência e a grandeza dos seus discursos - os críticos falam em mais estilo do que substância - contrastam com um currículo político curto. A ascensão é meteórica: passa rapidamente de jovem promessa no senado do Illinois, para onde entra em 1997, a grande estrela em ascensão dentro do partido já como senador (2004). Quatro anos depois - e 145 após a abolição da escravatura no país -, menos jovem mas igualmente fotogénico, chega à Presidência.

Uma das características mais elogiadas ao novo inquilino da Casa Branca é a de saber ouvir. "Tem um ouvido para e eloquência", diz a apoiante e popular apresentadora de TV, Oprah Winfrey. Mas se esta qualidade de Obama sopra confiança aos americanos, ela acomoda-se ainda melhor na sensibilidade do resto do mundo, que desde os primórdios da Administração Bush, sonha com um interlocutor aberto ao diálogo em Washington. O confronto com a realidade não permite certezas, mas o multilateralismo racional cultivado por Bill Clinton pode voltar a dar frutos com Obama. Para gáudio da Europa.

Quando com o ar triunfante com que acorda todos os dias, entrou no parque onde 500 mil pessoas aguardaram horas para o aclamar, Obama não escondia mais pontas de cabelo grisalho do que na manhã gélida de Fevereiro de 2007 em que anunciou na escada do capitólio do Illinois o início da grande caminhada.

Com uma postura tranquila, um tom de voz suave e uma mensagem idealista no bolso, centrada na esperança e na necessidade de construir uma ponte para passar o rio que dividia os democratas, o novo presidente é sempre subestimado. Primeiro por Hillary Clinton, depois por John McCain: os dois maiores opositores dos últimos dois anos começaram por não compreender e acabaram a não saber lidar com aquela intensidade feita de aço que ia derretendo o eleitorado, a caminho da "terra prometida" do poder, onde chega a 4 de Novembro de 2008.

O seu sonho impossível, inspirado nas figuras de Martin Luther King e Malcolm X, materializa-se na madrugada de terça-feira com uma chuva de 'confetti' vermelhos, brancos e azuis. A mudança, assegura ele, chegou à América.

Texto publicado hoje no Negócios

5.11.08

4-Nov 2008



Ele teve um sonho. Ele foi o rosto da mudança e de uma nova esperança para o mundo.

A partir de hoje, Barack Obama passa a ser um mito apenas para os livros de História e torna-se um governante mais ou menos brilhante, cujo trabalho passa a ser escrutinado ainda com maior espírito crítico por esse mundo fora. O mesmo mundo que nele depositou tanta confiança e que lhe vai exigir a recuperação económica, uma nova regulação para os mercados financeiros e o regresso da diplomacia fina à conturbada política externa norte-americana.

Cavaco Silva que nos perdoe, mas a partir de agora Obama é o nosso Presidente.

24.10.08

Outono




Uma lâmina de ar

Atravessando as portas. Um arco,

Uma flecha cravada no outono. E a canção

Que fala das pessoas. Do rosto e dos lábios das pessoas.

E um velho marinheiro, grave, rangendo o cachimbo como

Uma amarra.

À espera do mar. Esperando o silêncio.

É outono. Uma mulher de botas atravessa-me a tristeza

Quando saio para a rua, molhado, como um pássaro.

Vêm de muito longe as minhas palavras, quem sabe se

Da minha revolta última. Ou do teu nome que repito.

Hoje há soldados, eléctricos. Uma parede

Cumprimenta o sol. Procura-se viver.

Vive-se, de resto, em todas as ruas, nos bares e nos cinemas.

Há homens e mulheres que compram o jornal e amam-se

Como se, de repente, não houvesse mais nada senão

A imperiosa ordem de (se) amarem.

Há em mim uma ternura desmedida pelas palavras.

Não há palavras que descrevam a loucura, o medo, os sentidos.

Não há um nome para a tua ausência. Há um muro

Que os meus olhos derrubam. Um estranho vinho

Que a minha boca recusa. È outono.

A pouco a pouco despem-se as palavras.


antónio gedeão

23.10.08

Yesterday...

... all my troubles seemed so far away!

A "avózinha de Cuba", Omara Portuondo, em grande estilo ontem à noite, na Aula Magna lisboeta.

17.10.08

Nobel da inocência


[O funcionamento do Parlamento] “é uma manifestação de improdutividade, falta de respeito de uns pelos outros e ausência de um verdadeiro debate de ideias ou projectos. As posições apresentadas são sim porque sim ou não porque não. Fiquei com o sentimento que as pessoas apenas se ouvem a si próprias”. A maioria absoluta dos deputados ou não está ou chega atrasado. Vários entraram, assinaram o livro de ponto e pouco depois estavam de saída. Invariavelmente e sem excepção, quando alguém esteve na posse da palavra a maioria dos deputados ou estava ao telemóvel, ou em grupos na conversa, ou a navegar na Internet, ou ainda a circular pela sala. Estou muito preocupado, porque a instituição que deveria incentivar as medidas para o desenvolvimento do país não funciona de facto.”


Eduardo Correia, presidente do Movimento Mérito e Sociedade, o mais recente partido político em Portugal.

15.10.08

O preço da cooperação estratégica?

Quanto à Presidência da República, o Orçamento do Estado para 2009 prevê uma verba de cerca de 19,9 milhões de euros, o que representa um aumento de cerca de 1,5 milhões de euros face ao valor atribuído o ano passado, de 18,4 milhões de euros. (Lusa)

6.10.08

Meu 'brasiu brasileiro'

Terá sido por assistir a atrocidades como estas nas eleições municipais do Brasil que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Ayres Britto, desabafou que "há candidatos que não merecem votos nem de boas-festas"?

1.10.08

Casas... em Setembro.

Depois das notícias menos abonatórias dos últimos dias envolvendo o nome de Baptista-Bastos no caso dos arrendamentos de casas em Lisboa, deixo aqui um abraço fraterno a um homem que sempre pautou a vida e o trabalho por um comportamento íntegro. Mais do que culpado, neste processo parece-me que BB acabou por ser "inocente".

Aqui ficam, pois, excertos de uma carta que lhe enviei há semanas.


Camarada Baptista-Bastos,
(Trato-te assim mesmo, por tu. Como Costa Neves diria e tu me ensinaste, colegas são as putas. E nós, os jornalistas, só nos podemos tratar por camaradas)


Pensava conhecer-te há uns anos, mas confesso que só te conhecia a fama de grande jornalista. Foi só há uns meses, quando comprei numa feira de livros antigos uma edição de "As Palavras dos Outros", essa autêntica bíblia do jornalismo português, que mergulhei no teu universo. Agora, sim, posso dizer que já conheço alguma coisa de ti. Um bocadinho mais depois de terminar há dias de ler o "Bicicletas em Setembro". Levo-te, na forma mágica de um livro, comigo para todo o lado: viajas no comboio para a minha terra-natal, apanhas sol na minha praia fria do Norte, vamos ao teatro e ao cinema, vais trabalhar e de férias comigo.

O texto do Costa Neves e da estagiária, "Um cravo para o Costa Neves", que relatas no teu livro “A cara de gente”, era aquele que eu, se o talento como o teu me corresse nas veias e na pena, gostaria de ter escrito para ti. Porque "no solfejo da imprensa" tu também conheces todas as notas e tocas todas as melodias. Porque "na heráldica do ofício" também o nome de Baptista-Bastos figura num brasão resplandescente. Porque "na cartografia dos meus afectos", também tu, meu estimado Baptista-Bastos, te revelas na recordação de extraordinários textos jornalísticos, na restituição de episódios, na memória de frases inesquecíveis ou de pequenos gestos de bravura.

Tenho orgulho em ser jornalista, ou noticiarista como referes no início d' "As Palavras dos Outros", por ser uma profissão (e ela é muito mais do que isso...) exercida com paixão e rectidão de carácter por homens como tu. E luto diariamente por sê-lo de forma cada vez mais completa e com uma marca competente, honesta e frontal. Porque escolhi com frontalidade e espírito de missão "o martírio que é a vida de quem morre a viver nos jornais".

Volto a socorrer-me de ti, que existes pelas palavras, para esta despedida.
"Continuamos a aceitar as punições e a ser fiéis aos nossos pecados. Nesse instante, nesses tímidos instantes, somos dois homens felizes. Vamos beber um copo?".

30.9.08

É a conjuntura, estúpido!

A inflação homóloga na Zona Euro recuou em Setembro pelo segundo mês consecutivo, está nos 3,6%, mas mantém-se ainda muito acima, quase o dobro, dos 2% que são objectivo do Banco Central Europeu. Apesar deste arrefecimento de dois pontos percentuais no aumento dos preços aliviar um pouco a pressão sobre os juros, a perspectiva de uma mexida a breve trecho na taxa de referência da região da moeda única mantém-se como um cenário improvável.
Este recuo da inflação face a Setembro do ano passado segue-se a um outro, na mesma proporção, em Agosto (3,8%) depois dos máximos históricos de 4% em Junho e Julho, no pico dos preços dos combustíveis e dos cereais. Desde o início do Verão, porém, os custos energéticos começaram a diminuir – ontem o petróleo custava 96 dólares por barril, que compara com o máximo de 147 dólares em Julho – juntando-se ainda o efeito do abrandamento da actividade económica nos 15 países do Euro.
Depois da divulgação destes números mais animadores (ainda assim, o ‘target’ dos 2% escapa desde Agosto de 2007), com o abrupto alastrar da crise financeira ao Velho Continente e com reunião dos governadores do BCE na próxima quinta-feira em Bruxelas, o mercado começa a especular sobre uma eventual descida da taxa de juro, que se encontra desde Julho nos 4,25%, o nível mais elevado de sempre. A crescente volatilidade do Euro, que ontem registou a maior queda desde que começou a ser transaccionado em 1999, é só mais um pouco de neve para acrescentar à enorme bola de pressão que vai continuar a perseguir o sr. Jean-Claude Trichet nos próximos tempos.

29.9.08

Porque hoje é segunda...


...e houve um sábado pelo meio.

25.9.08

A hipocrisia pura (e dura...) da indústria dos media

Ou a diferença entre o pregar aos 'peixinhos' e o agir...


Lisboa, 25 Set (Lusa) - Nove em cada dez jornalistas responsáveis pelas redacções dos principais órgãos de comunicação social nacionais consideram que a precariedade laboral pode levar a cedências editoriais, de acordo com as conclusões de um inquérito hoje divulgadas.

A "Sonda Central de Informação/Meios e Publicidade" tentou perceber se há em Portugal um grande número de jornalistas em situação de precariedade laboral e considera os resultados do inquérito "alarmantes".


"A primeira grande conclusão é que existe em Portugal um número preocupante de jornalistas em situação profissional precária. A opinião é partilhada pela totalidade dos inquiridos, com dois terços (67 por cento) a referir que esta é uma situação que tem vindo a agravar-se", refere o relatório de resultados hoje divulgado.

A segunda conclusão do inquérito é que a precariedade pode levar mais facilmente a cedências editoriais, opinião defendida por 91 por cento dos inquiridos.

Mas, "a talvez mais preocupante de todas as conclusões" é que 69 por cento dos responsáveis ouvidos considera que há em Portugal um número inquietante de casos de cedências editoriais motivadas por situações profissionais precárias.

A Sonda inquiriu 103 jornalistas, entre editores, coordenadores, chefes de redacção e directores de órgãos de comunicação social, entre os dias 16 e 22 de Setembro.

As perguntas foram formuladas tendo como mote um inquérito sobre precariedade no Jornalismo, da responsabilidade do Sindicato dos Jornalistas, que decorre até ao final deste mês.

A Câmara a meio-gás

Sócrates abriu quarta-feira a temporada parlamentar com uma táctica reservada e a jogar à defesa, não apresentando desta vez nenhuma das suas típicas medidas-surpresas. Não espanta: a três semanas da apresentação do Orçamento do Estado, que bem saberá ao PM ter uns argumentos extra para desarmar a oposição no debate dos debates parlamentares...

Mas no primeiro debate quinzenal após as férias houve também pouca agressividade do lado da oposição, com a direita a chutar na insegurança das ruas e a esquerda naquela das contas bancárias. O PS tinha indicado a Educação para tema deste debate, mas, tal como se previa, o tema esgotou-se ao final da primeira meia-hora de intervenções, tempo de sobra para Sócrates afastar discutir o casamento homossexual neste mandato. Quando Jaime Gaima deu a palavra à oposição abriu-se então o debate económico.

Nesta altura, foi curioso ver Sócrates a ver se lhe servia o fato-macaco do socialismo. Disse que “a Europa está a pagar o preço de uma total ausência de escrúpulos por parte de alguns num mercado financeiro sem regulação”, mas conseguiu ir ainda mais longe, sustentando que “esse mecanismo do ‘short-selling’ parece-me ser mais um incentivo à ganância do que um investimento nas empresas”.

Eu cá aposto que esta declaração do PM terá deixado Teixeira dos Santos, o seu ministro das Finanças e ex-presidente da CMVM, a baloiçar na cadeira. Que estava mesmo ao lado da sua naquela exígua e quase indigna (para os jornalistas, sobretudo) sala do Senado da AR.

24.9.08

Regresso ao Parlamento



"Os debates com Sócrates são sempre difíceis. Trabalha muito com a imagem e com a propaganda e tem pouca seriedade no discurso. Por vezes chega a ser frustante debater com ele".
Heloísa Apolónia, deputada d' Os Verdes, em declarações ao Jornal de Negócios, antecipando o debate quinzenal com José Sócrates, esta tarde na Assembleia da República.

12.9.08

Think quê? *

Não há uma tradição que se possa expressar sequer em idioma português, nem o próprio conceito que lhe dá nome se atreve a encontrar tradução para a língua de Pessoa. Não existe passado nem presente na história dos “thinks tanks” em Portugal (é por isso a primeira e última vez que usaremos aspas na palavra). Um país onde não é preciso ter ideias, mas cunhas; onde quem manda é o Estado; em que se entra pela porta do ministro quando se quer obter algo. Think tank parece ser assim uma expressão anglo-saxónica vazia de conteúdo, espalhando uma espécie de “think blank”, num país onde a maioria não sabe sequer o que é. As criticas são de sociólogos e economistas contactados pelo Negócios. Os elogios, em tom de esperança de início de projecto, saem da boca – e também muito do coração - dos responsáveis por aquilo a que os jornais têm chamado de “think tank” políticos.
“Com esta dimensão e com esta ambição, não sendo algo pontual, é uma coisa nova em Portugal”, acredita António Vitorino, presidente da Fundação Res Publica, o novo think tank socialista, apresentado segunda-feira no CCB lisboeta, com alguma pompa e ansiada circunstância, pelo secretário-geral do PS, José Sócrates. Com o projecto ainda em fase embrionária, “um projecto que nasce claramente numa área política”, António Vitorino vive por estes dias encantado com o seu Res Publica: “Esperamos que produza resultados num horizonte de curto prazo”.
Menos rosa, e não apenas pela cor política que lhe sintetiza os ideais, é o panorama aos olhos de Pedro Passos Coelho (PSD), mentor da plataforma “Construir Ideias”, a que muitos – ele próprio? - começaram a chamar think tank. “Tem essa ambição, mas um think tank não se constrói de um dia para o outro, não nasce com essa configuração. É um estatuto que não se adquire por passo de mágica”, frisa o candidato derrotado por Manuela Ferreira Leite nas últimas eleições directas do PSD. Apesar de elogiar o surgimento do Res Publica socialista, o social-democrata Passos Coelho adverte para o risco de ele se tornar apenas num “instrumento legitimador” de posições já adoptadas pelo governo.
“Os organismos à volta do PS ou do PSD não são think tanks: são uma espécie de corte, como a que os reis dantes mantinham à sua volta”, atira Maria Filomena Mónica, que “no sentido próprio do termo” diz não conhecer qualquer think tank em Portugal. Para a socióloga do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, o organismo que por cá mais se aproxima de um think thank é a SEDES. “Mas tem funcionado de forma demasiado intermitente para se poder dizer que desempenhou uma função na luta de ideias”, considera. “Há, depois, fenómenos como o Compromisso Portugal, que atravessam o céu como cometas”, acrescenta. “Tenho as maiores dúvidas em considerar este movimento com um think tank”, corrobora José Reis, economista do Centro de Estudos Sociais (CES). “Trata-se de um movimento politico, profundamente ideológico, que defende a sua dama: o liberalismo e os interesses privados”.
“Depois existem instituições que funcionam como lobbies e que, por isso mesmo, pertencem a outro universo”, conclui Filomena Mónica. “Aliás, sendo Portugal um país pequeno, a melhor forma de se obter o que se quer é entrar destemidamente pela porta do gabinete do ministro, o qual é sempre amigo, primo ou colega de alguém que se conhece”.

Think tank mas pouco
Em estado puro, um think tank trata-se de uma instituição plural formada a partir da sociedade civil, com ‘staff’ próprio, que produz conhecimento de uma forma regular no intuito de promover o debate sobre políticas públicas. Os seus estudos e análises científicas devem ser independentes e imparciais, ainda que a instituição que os produz possa assumir determinados valores ideológicos, considera André Freire, sociólogo e investigador do ISCTE. “Um think tank deve ser formado por um conjunto plural de interesses, mas também não é necessária uma santa e beata independência”, sustenta, por sua vez, José Reis. “É uma arma ideológica, um tanque que, em vez de disparar balas, atira ideias”, compara Maria Filomena Mónica.
Muitas das próprias instituições alcunhadas de think thanks assumem não o ser. É o caso da SEDES. “Somos uma associação cívica imparcial, com grupos de trabalho e tomadas de posição. Mas não temos investigação própria”, diz Luis Barata, secretário-geral da entidade. “Penso que não existem verdadeiros think tanks em Portugal, mas sim movimentos de reflexão que são igualmente úteis”, acrescenta. “Quero acreditar que esses movimentos são, na sua essência, imparciais com uma perspectiva despretensiosa e desinteressada. Caso contrário, caem em descrédito”. “Não conheço nenhum em Portugal que se possa assumir como tal. Falta o financiamento, equipas permanentes e dedicadas em full-time. Não basta ter esse nome, é precisa uma estrutura profissional que implica encargos muito elevados”, concorda Tiago Macedo, do Novo Portugal, um movimento conjunto da ANJE e da SEDES, que reúne uma centena de jovens elites até aos 45 anos.
O Compromisso Portugal (CP) é e não é. Confuso? “Será um think tank no sentido de ter promovido, a partir de um núcleo inicial de cidadãos livres e independentes, uma discussão aprofundada e estruturada sobre uma nova visão para o País, nomeadamente quanto ao seu modelo económico-social”, explica António Carrapatoso. “O CP não será um think tank no sentido de não ter uma organização formal e um staff próprio com actividade permanente, de não produzir investigação de base e de não ter uma garantia de continuidade prevista a médio prazo”.
O Instituto da Democracia Portuguesa (IDP) assume-se como um think tank, responde Frederico Carvalho, dirigente do instituto fundado no ano passado e presidido por D. Duarte de Bragança. “Não somos monárquicos. Temos pessoas independentes e com filiação em partidos de todo o espectro político, divididas por vários grupos de trabalho. Temos protocolos com diversas organizações cívicas e promovemos debates locais”, salienta.
Também a INTELI se posiciona como um think thank, sustenta Catarina Selada: “Somos uma associação privada sem fins lucrativos, com independência financeira, através de projectos co-financiados e prestação de serviços, e temos uma rede de recursos humanos especializados”.
A voz de Filomena Mónica diz-nos que “a sociedade civil está-se nas tintas para os think tanks e a maioria dos portugueses não sabe o que são nem quer saber”. Mais comedido, também José Reis fala numa sociedade civil fraca, sem tradição de associativismo, sem controvérsia política, sem reflexão de fundo. Luís Barata acrescenta: “As pessoas não estão habituadas a trabalhar em grupo. Vivem em quintas. Basta olhar para a dispersão de associações sindicais e empresariais, acrescenta. “A sociedade tem sempre precisado ou dependido da mão do Estado”, diz José Reis. É ele que manda em tudo, frisa Filomena Mónica. “O elevado peso do Estado na sociedade e a capacidade que os governos têm para o utilizar, para de uma forma mais ou menos explicita condicionar ou mesmo retaliar contra os cidadãos que expressam as suas livres opiniões, é um grande factor de inibição da intervenção da sociedade civil”, sustenta Carrapatoso, o mentor do Compromisso Portugal. Numa outra perspectiva, Passos Coelho puxa a brasa à sua sardinha política: “Se não houver um interesse real pela prática política perde-se o estímulo. Fora dos partidos é mais difícil que sobrevivam”.
Quem trabalha em think tanks “a sério”, como Sandra Fernandes, investigadora portuguesa do Centro de Política Europeia, em Bruxelas, um dos think tanks de referência a nível mundial, lança um olhar de fora para dentro e chama a atenção para um outro “problema português” da protecção excessiva de dados em determinadas áreas, que acaba por minar a produção e a sua qualidade. “Um think tank é um lugar de grande abertura e flexibilidade em que a concorrência prima sobre os feudos pessoais. Em Portugal ainda há dificuldade em lidar dessa forma com o trabalho de investigação”, critica.
O financiamento parece ser outro entrave. Em Portugal, os movimentos aspirantes ao estatuto de think tanks vivem do voluntariado dos seus membros. Para Tiago Macedo, do Novo Portugal, o problema é que uma reflexão imparcial exige financiamento que não seja dependente: “Sabemos que quem financia gosta de intervir”. Os poucos estudos produzidos são patrocinados, na sua maioria, por empresas, ao abrigo dos seus programas de responsabilidade social. Como contrapartida, têm o seu nome publicitado. O que também é uma forma de transparência, salienta o secretário-geral da SEDES. “Mas nem assim é fácil”, ressalta. “O financiamento para a criação e sobrevivência de think tanks relativamente independentes, com ‘staff’ e meios próprios significativos, é difícil de obter”, frisa António Carrapatoso, esclarecendo que o CP apenas obteve receitas com os patrocínios para as duas convenções que realizou e com a venda do livro ‘Revolucionários’. A Res Publica do PS ainda está a dar os primeiros passos, mas António Vitorino admite, sem alarmismos de momento, que “para sustentar os estudos que serão pedidos, a fundação terá que recorrer a doações e candidatar-se a desenvolver programas”.


Texto (não editado) publicado hoje no Jornal de Negócios

*trabalho conjunto com Lúcia Crespo.

28.8.08

Se não tiver servido para mais nada, pelo menos estes Jogos Olímpicos ensinaram aos portugueses que Pequim e Beijing são a mesma coisa.

[várias pessoas me vieram perguntar o que era, afinal, aquela coisa do Beijing que aparecia no logotipo dos Jogos de Pequim...]

23.8.08


Não é todos os dias que se leva uma irmã ao altar...
Parabéns, Su!
*Foto: Festa das Cruzes, Barcelos. Maio'1986.

13.8.08

Acrescentei nos links aqui ao lado, a página pessoal de um velho amigo basco que conheci num curso de italiano que fiz em Agosto de 2004 em Siena. Encontramo-nos um ano depois durante o nosso Erasmus, que eu fiz em Parma e ele em Bologna. Hoje, o Yuri, o prometedor rapaz que estudava ciência política, é assessor de imagem e comunicação da área da política. Criou com sucesso a sua própria empresa de 'media training', e por estes dias, anda por El Salvador, na América Central, onde está a preparar a estratégia para as eleições presidenciais de Março do próximo ano. Bravo, Yuri!

8.8.08

Ao Yun Hui Kuaile!


A chegada a Pequim são versos de um poema que não rima com facilidades: no moderníssimo aeroporto internacional de Pequim sou arrastado em direcção ao parque de estacionamento para apanhar um táxi privado para o hotel, onde nenhum dos quatro recepcionistas articula uma frase no (julga o resto do mundo) universal inglês; nos primeiros banhos revigoro a pele com amaciador de roupa convencido que se trata de gel de banho; vou ao supermercado e compro um garrafão de cinco litros de aguardente satisfeito por pensar levar para casa água mineral. Não são suficientes vinte anos de uma proclamada “política de abertura e reformas” - que abriu às multinacionais de todo o mundo as portas de um apetecível mercado interno de 1,3 mil milhões de consumidores e injectou incontáveis dólares e euros nas veias de uma economia que se prepara para ultrapassar a Alemanha no terceiro posto do ranking dos monstros económicos mundiais – não são suficientes essas migalhas do tempo que são duas décadas, dizíamos, para o rectilíneo, lógico e previsível mundo ocidental compreender e abraçar a velha e misteriosa China. Uma nação ancestral que sobreviveu ao poderoso exército mongol, não vergou perante as invasões dos vizinhos e inimigos japoneses, nem a pragas e catástrofes devastadoras, e que já vivia 16 séculos antes de Cristo nascer nas palhinhas de Belém.

Mas é esta mesma China, comunista de forma, que já não destrói sofás como outrora – o outrora em que eram considerados mobiliário burguês – e em que às crianças já não se ensina que o inglês é a língua imperalista e elas brindam cada estrangeiro com um estridente “hello”, esta China que se reflecte todos os dias no espelho do mandarim como Império do Meio (Zhong Guo) e que ensaia um “sistema capitalista de características chinesas” (designação oficial do socialismo arquitectado no final dos anos 80 por Deng Xiaoping), é ela que se quer mostrar ao mundo nestes Jogos Olímpicos. A China que se engalanou e preparou afincada e meticulosamente desde 2001, que reconstruiu bastante e reconfigurou ainda mais a sua cidade mais importante, o orgulho e símbolo de todo o império amarelo, apenas com a missão de dar corpo a um evento desportivo internacional que irá durar 16 efémeros dias. Os seus “Ao Yun Hui”, formados pelas iniciais das “palavras” olímpico, desporto e encontro.

À semelhança de uma embalagem de amaciador de roupa, ainda que vendida numa loja do francês “Jia Le Fu” (leia-se Carrefour), em que o rótulo não permite compreender coisa alguma aos olhos que não identificam mais do que os caracteres de “Bei Jing” (capital do norte), também a China só mostra o seu verdadeiro interior e o seu puro conteúdo após a abertura da “embalagem”. Ao chegar sente-se um estranho nó aspero na garganta, como se se tivesse bebido água por uma mangueira de gasolina. É a poluição, dizem, numa cidade onde quem fuma um maço de cigarros contabiliza 90 cigarros nos pulmões ao final do dia, pois 70 ficam por conta da poluição carburada pelos milhares de fábricas que ocupam os arrabaldes sujos e terceiro-mundistas da capital chinesa e pelos milhões de automóveis que entopem as largas e modernas avenidas de Pequim, as mesmas que fazem corar de vergonha a feita estreita Avenida da Liberdade lisboeta.

Primeiro aviso: tem que se corresponder a todos os brindes de “bai jiu”, uma indescritivelmente forte aguardente feita à base de arroz, bebida com que se festeja tudo na China, desde casamentos ao fecho de um negócio. Nem que no final do almoço do casamento, festejado numa sala de hotel com “wedding” escrito a letras rosa no fundo do palco, se acabe embriegado, consequência do ‘jet lag’, pois claro, a passear junto ao túmulo de Mao Zedong, em plena praça Tiananmen, o centro político de toda a China. Segundo aviso: só se come a tijela de arroz no final da refeição, é só para encher a barriga. Desta vez fica mesmo o insulto aos dotes da cozinheira, a mesma que preparou uns rugosos intestinos de pato e que depois veio à mesa explicar que o chumbinho encontrado entre a carne dos dumplings era “uma peça que se soltou da varinha mágica”. É tempo de mostrar compreensão: apesar deste autêntico país-continente ter submetido as suas cidades a verdadeiras operações plásticas nos últimos anos, “perder a face” continua a ser a pior desonra para um chinês. E ainda que seja perdoado, nunca é esquecido. Concedemos.

A China política, liderada com punho de ferro por Hu Jintao na presidência e Wen Jiabao no governo, aproveita as Olimpíadas abre ao mundo as janelas de uma cidade desenhada e sombreada pelo declive acentuado entre os arranha-céus que crescem, os arrojados projectos arquitectónicos que aqui têm liberdade para florescer e os antiquíssimos “hutong”, os bairros típicos recuperados no centro de Pequim que vergam à especulação imobiliária e vão sendo comprados por muitos estrangeiros, que para eles têm dinheiro. Todavia, um em cada cinco habitantes do planeta – a estatística permite tudo isto - já conhecem esta realidade, pelo que os Jogos são, antes de mais, uma legitimição do Partido Comunista Chinês no poder aos olhos de 1,3 mil milhões de eleitores sem direito de voto. Uma legião que olha com distanciamento para a fotografia amarelecida da Nova China fundada a 1 de Outubro de 1949 pelo Grande Timoneiro Mao Zedong. Onde subiu pela primeira vez a bandeira vermelha-estrelada, hoje apenas os turistas compram o pequenino Livro Vermelho com as citações e as teorias de Mao, as dele e as que roubou aos companheiros da Longa Marcha, que aniquilou para se assumir como figura máxima na refundação do país. A 30 quilómetros de Tiananmen, para lá do sexto dos anéis rodoviários que circundam Pequim, o restaurante “O Leste é Vermelho” recria num enorme pavilhão o ambiente da Revolução Cultural. Há um espectáculo de época com muitas bandeiras vermelhas, a decoração é recuperada ao pormenor, os sabores da comida fazem também recuar umas décadas, os empregados vestem os trajes recuperados, à imagem da juventude maoísta que engrossou o exército vermelho. Em 2008, ano dos Jogos Olímpicos em Pequim, tudo isto é “kitsch”, tudo isto é o espelho da sociedade chinesa que emerge nas grandes cidades do país, tão ou mais cosmopolitas do que as grandes capitais da Europa. Uma sociedade competitiva e pragmática, que veste Hugo Boss e ouve no iPod os últimos hits da pop norte-americana.
Quando, a 24 de Agosto, cair o pano dos Olímpicos, nenhum chinês questionará para que serviram os 11 mil milhões orçamentados para limpar o ar da cidade. Os trabalhadores migrantes das províncias mais recônditas, que ajudaram a erguer a cidade olímpica e foram expulsos de Pequim algumas semanas antes da cerimónia de abertura, voltarão para continuar a construir a capital. E o Nan Jie, um famoso bar entre os “laowai”, como os pequinenses chamam aos estrangeiros que vivem na cidade e que foram também obrigados a abandoná-la durante os Jogos, vai voltar a encher-se quando as autoridades retomarem a concessão de vistos para entrar no país. Pelo menos até o Nan Jie ser demolido uma terceira vez, como das outras vezes para ali se construir mais uma urbanização de prédios altos e modernos. Por aquelas janelas espelhadas, a grande cidade-sede olímpica continuará a espreitar, vibrante e irresistível, embrenhada naquela misteriosa e quase imperial cortina cinzenta.


Texto (não editado) publicado hoje no Jornal de Negócios.

1.8.08

A definhar até à morte.


Foto: Paulo Ricca (Público)


“O Primeiro de Janeiro” chegou ao fim. Se será um fim definitivo ou de um ciclo só a história que está por vir irá determinar. Após 140 anos de publicação diária, este jornal do Porto - que já foi nacional - vai parar, pelo menos, durante o mês de Agosto. A especulação sobre o tema é inevitável, sobretudo pelas dificuldades que a sociedade que detém o título vinha demonstrando em cumprir, a tempo e horas, com o pagamento dos ordenados aos jornalistas e colaboradores. E por tudo aquilo - incluindo muito desrespeito - que os atrasos representavam na vida dos profissionais honrados que ali trabalhavam.

A morte lenta é a mais dolorosa e essa era indisfarçável há já algum tempo. O jornalismo é em parte um negócio como todos os outros e, não sendo rentável, está condenado à extinção. Era por demais evidente que aquele jornal – onde ainda tive a honra de trabalhar durante quatro meses, apesar de não lhe poder chamar, nem de perto nem de longe, uma das minhas escolas de jornalismo – começara a definhar. Em qualidade, em motivação e em profissionalismo.

Perante o arrastar da situação, o declarar diário da tal morte lenta, apesar das dificuldades e de nem tudo estar nas suas mãos, o que fizeram os seus jornalistas, editores, direcção? Nada. Deixaram andar, na esperança que algum dia iria surgir um salvador disposto a pagar pela sobrevivência de um jornal em decadência progressiva. Virou-se a cara à luta pela renovação e melhoramento dos conteúdos, não se exigiu mais, cada um de si e dos companheiros de redacção. Por que motivo alguém passaria a comprar o "Janeiro", não fosse por carinho ou simpatia?

Senti tristeza com a esperada certidão de óbito do jornal, sobretudo pelos meus companheiros jornalistas que ontem tiveram que encaixotar agendas, papéis e dossiers e assistir à troca das fechaduras, segundo li. Mas parecia que ninguém se importava com isso de ter o jornal a sobreviver apenas como pouco mais do que um amontoado de páginas e papel. “Isso são coisas dos gestores”, pensava-se. Mas é pelos e com os homens que se mudam as organizações, acima do capital ou das influências. Era possível fazer muito, muito melhor, mas nunca se quis. Por (muito) comodismo, (alguma) incompetência e, sobretudo, pela falta de visão estratégica sobre o que é um jornalismo moderno e competitivo, relevante.

Não acredito em milagres, portanto este era um daqueles mistérios que estava mais do que evidente aos olhos do mais básico dos homens lúcidos. Desprezo as teorias de que o “senhores de Lisboa” é que são os culpados, que as grandes empresas que compram espaços de publicidade e fazem sobreviver os jornais estão todas na capital. A morte lenta do “Janeiro” vai continuar, mesmo se o título regressar à vida. Não é lavando a cara e deixando tudo o resto na mesma que se ganha vitalidade.

O “Janeiro” afunda-se nas mesmas águas em que se afunda o Porto: falta de auto-estima e de força para se renovar, ausência de massa crítica e espírito empreendedor. Não sair da caverna do passado e passar a olhar a realidade do mundo de hoje, vibrante lá fora, tão diferente e tão mais complexo.

É a China, estúpido!

Só num mundo muito distraído e inclinado sobre o seu umbigo é que isto é notícia que surpreenda. Afinal a globalização parece que só serve para acenar com umas bandeiras do Tibete e tentar apagar uma mediática chama olímpica...

O acordar é lento e a "remela" matinal não desaparece de um dia para o outro. Nem se lava com a água olímpica.

29.7.08

Quem quer?

Nós temos cinco sentidos:
são dois pares e meio de asas.
- Como quereis o equilíbrio?


David Mourão-Ferreira

23.7.08


Porto, 12.07.08

18.7.08

Em trânsito para a aldeia de Porto Covo, com duas palavras de ordem: inspirar e respirar. De dia e de noite.

15.7.08

25


...e a fatalidade de uma cadência - que não decadência! - irreversível, pautada pelo tempo e pela nobreza de umas quantas rugas e cabelos brancos que vão começando a despontar.

23.6.08

Nostalgia


Guimarães, 20, 21, 22 Junho 2008.

15.6.08


Lisboa, 14.06.08

14.6.08

Reborn.

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro.
No mundo que combato,
morro.
No mundo por que luto,
nasço.

Mia Couto