24.10.08

Outono




Uma lâmina de ar

Atravessando as portas. Um arco,

Uma flecha cravada no outono. E a canção

Que fala das pessoas. Do rosto e dos lábios das pessoas.

E um velho marinheiro, grave, rangendo o cachimbo como

Uma amarra.

À espera do mar. Esperando o silêncio.

É outono. Uma mulher de botas atravessa-me a tristeza

Quando saio para a rua, molhado, como um pássaro.

Vêm de muito longe as minhas palavras, quem sabe se

Da minha revolta última. Ou do teu nome que repito.

Hoje há soldados, eléctricos. Uma parede

Cumprimenta o sol. Procura-se viver.

Vive-se, de resto, em todas as ruas, nos bares e nos cinemas.

Há homens e mulheres que compram o jornal e amam-se

Como se, de repente, não houvesse mais nada senão

A imperiosa ordem de (se) amarem.

Há em mim uma ternura desmedida pelas palavras.

Não há palavras que descrevam a loucura, o medo, os sentidos.

Não há um nome para a tua ausência. Há um muro

Que os meus olhos derrubam. Um estranho vinho

Que a minha boca recusa. È outono.

A pouco a pouco despem-se as palavras.


antónio gedeão

23.10.08

Yesterday...

... all my troubles seemed so far away!

A "avózinha de Cuba", Omara Portuondo, em grande estilo ontem à noite, na Aula Magna lisboeta.

17.10.08

Nobel da inocência


[O funcionamento do Parlamento] “é uma manifestação de improdutividade, falta de respeito de uns pelos outros e ausência de um verdadeiro debate de ideias ou projectos. As posições apresentadas são sim porque sim ou não porque não. Fiquei com o sentimento que as pessoas apenas se ouvem a si próprias”. A maioria absoluta dos deputados ou não está ou chega atrasado. Vários entraram, assinaram o livro de ponto e pouco depois estavam de saída. Invariavelmente e sem excepção, quando alguém esteve na posse da palavra a maioria dos deputados ou estava ao telemóvel, ou em grupos na conversa, ou a navegar na Internet, ou ainda a circular pela sala. Estou muito preocupado, porque a instituição que deveria incentivar as medidas para o desenvolvimento do país não funciona de facto.”


Eduardo Correia, presidente do Movimento Mérito e Sociedade, o mais recente partido político em Portugal.

15.10.08

O preço da cooperação estratégica?

Quanto à Presidência da República, o Orçamento do Estado para 2009 prevê uma verba de cerca de 19,9 milhões de euros, o que representa um aumento de cerca de 1,5 milhões de euros face ao valor atribuído o ano passado, de 18,4 milhões de euros. (Lusa)

6.10.08

Meu 'brasiu brasileiro'

Terá sido por assistir a atrocidades como estas nas eleições municipais do Brasil que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Ayres Britto, desabafou que "há candidatos que não merecem votos nem de boas-festas"?

1.10.08

Casas... em Setembro.

Depois das notícias menos abonatórias dos últimos dias envolvendo o nome de Baptista-Bastos no caso dos arrendamentos de casas em Lisboa, deixo aqui um abraço fraterno a um homem que sempre pautou a vida e o trabalho por um comportamento íntegro. Mais do que culpado, neste processo parece-me que BB acabou por ser "inocente".

Aqui ficam, pois, excertos de uma carta que lhe enviei há semanas.


Camarada Baptista-Bastos,
(Trato-te assim mesmo, por tu. Como Costa Neves diria e tu me ensinaste, colegas são as putas. E nós, os jornalistas, só nos podemos tratar por camaradas)


Pensava conhecer-te há uns anos, mas confesso que só te conhecia a fama de grande jornalista. Foi só há uns meses, quando comprei numa feira de livros antigos uma edição de "As Palavras dos Outros", essa autêntica bíblia do jornalismo português, que mergulhei no teu universo. Agora, sim, posso dizer que já conheço alguma coisa de ti. Um bocadinho mais depois de terminar há dias de ler o "Bicicletas em Setembro". Levo-te, na forma mágica de um livro, comigo para todo o lado: viajas no comboio para a minha terra-natal, apanhas sol na minha praia fria do Norte, vamos ao teatro e ao cinema, vais trabalhar e de férias comigo.

O texto do Costa Neves e da estagiária, "Um cravo para o Costa Neves", que relatas no teu livro “A cara de gente”, era aquele que eu, se o talento como o teu me corresse nas veias e na pena, gostaria de ter escrito para ti. Porque "no solfejo da imprensa" tu também conheces todas as notas e tocas todas as melodias. Porque "na heráldica do ofício" também o nome de Baptista-Bastos figura num brasão resplandescente. Porque "na cartografia dos meus afectos", também tu, meu estimado Baptista-Bastos, te revelas na recordação de extraordinários textos jornalísticos, na restituição de episódios, na memória de frases inesquecíveis ou de pequenos gestos de bravura.

Tenho orgulho em ser jornalista, ou noticiarista como referes no início d' "As Palavras dos Outros", por ser uma profissão (e ela é muito mais do que isso...) exercida com paixão e rectidão de carácter por homens como tu. E luto diariamente por sê-lo de forma cada vez mais completa e com uma marca competente, honesta e frontal. Porque escolhi com frontalidade e espírito de missão "o martírio que é a vida de quem morre a viver nos jornais".

Volto a socorrer-me de ti, que existes pelas palavras, para esta despedida.
"Continuamos a aceitar as punições e a ser fiéis aos nossos pecados. Nesse instante, nesses tímidos instantes, somos dois homens felizes. Vamos beber um copo?".