30.12.08

Fantástico 2009!

"De tudo, ficaram três coisas:
A certeza de que estamos sempre a começar,
a certeza de que é preciso continuar,
a certeza de que seremos interrompidos antes de terminar...

Portanto, devemos:
fazer da interrupção um caminho novo,
da queda um passo de dança,
do medo uma escada,
do sonho uma ponte,
da procura um encontro..."

Fernando Pessoa

22.12.08

Frase de época

A situação dos mercados financeiros é tão má que as mulheres estão de novo a casar por amor.

10.12.08

Profissão: repórter



Muda o "género" e toca o mesmo:

De vez em quando lá vem a frase. Quando vieste para o jornalismo já sabias que era assim, se querias ter uma vida normal devias ter escolhido outra profissão. A frase aparece normalmente às seis da tarde quando me vêm dar mais trabalho e eu digo que estou mesmo de saída. Ou quando são sete e eu já estou que nem posso e respondo mal a toda a gente. Quando quiseste ser jornalista já sabias. Já sabia?Por acaso não, não sabia. Lembro-me que foi em 1989 e o muro tinha acabado de cair e eu olhei para a televisão e pensei isto é que devia ser mesmo fixe, estar ali, onde as coisas acontecem. Não me ocorreu que aquilo eram horas de jantar e que para estar ali, onde as coisas acontecem, não ia estar em casa a comer sopinha. Mas talvez fosse porque ainda só tinha 14 anos e também jurava a pés juntos que nunca me apanhariam de aliança e tinha a certeza absoluta que ia ser podre de rica. Eu via os sinais do tempo na televisão e lia a grande reportagem e a revista do expresso e o independente e o público - estava eu no 11º ano quando saiu o público e foi um acontecimento, comprava todos os dias e, quando gostava mesmo de uma reportagem, recortava-a e guardava-a num dossier, as minas em áfrica, o orfanato na roménia, a perestroika, a guerra do iraque (a primeira), as chuvas na índia. E eu a sonhar em estar ali, onde as coisas acontecem. Tanta profissão bonita. Podia ter sido secretária, cabeleireira, funcionária da biblioteca, contabilista, professora, engenheira, advogada. E fui logo escolher esta. Não, não sabia. Malditos sejam o miguel sousa tavares e o miguel esteves cardoso, o barata feyo e o carlos fino, o pedro rosa mendes e o luís pedro nunes, o paulo moura e o vicente jorge silva, o adelino gomes e o josé pedro castanheira e todos os outros que me fizeram pensar que ser jornalista é que era. Todos homens. Eu devia ter percebido que havia algo errado.Mas não sabia. Nem mesmo quando entrei para a faculdade e comecei a pensar mais a serio nisto tudo. Ninguém me disse que eu ia ter que trabalhar fim-de-semana sim, fim-de-semana não. Nunca imaginei que o trabalho só começasse verdadeiramente lá para as quatro. Não me ocorreu que as creches fecham às sete da tarde. Nem mesmo, vejam só a minha ingenuidade, nem mesmo quando comecei a trabalhar e percebi que toda a gente entrava depois do almoço e só saía às tantas da noite. Eu tinha 22 anos e tinha muito tempo. Eu também podia trabalhar até às quinhentas e nem precisava de folgar, para quê?, eu era nova e estava cheia de pica. Nem parei para pensar como é que eles fariam para estar com os filhos. Posso até ter dedicado uns minutos ao assunto, vá, para concluir que o melhor era ter uma empregada, de preferência interna, o que iria ser fácil porque eu ia ser muita boa e ganhar pipas de massa. Claro.Pois é, a verdade é que eu não sabia. Burrice minha, é óbvio. Ninguém tem culpa. Mas, se eu soubesse, se eu soubesse alguma vez me teria metido nesta vida?Há dias em que só me apetece mandar isto tudo pro espaço, é o que vos digo. E é porque sou uma rapariga bem educada.

Foto: do filme 'Professione: reporter', de Michelangelo Antonioni (1975)

9.12.08

Ouro negro a preto-e-branco

A quebra acentuada do preço do petróleo nos mercados internacionais está a ser provocada por um triângulo de razões menos sobrenaturais do que o das Bermudas, mas com implicações mais graves e globais do que os desaparecimentos misteriosos no Atlântico:

1. a crise financeira que atirou as maiores economias do mundo para uma recessão aguda e arrastou para uma quebra na procura que não se sentia desde o último choque petrolífero há quase três décadas;

2. a fuga dos investidores nos últimos cinco meses que os levou a “saltar do barco” que transporta o ‘ouro negro’ antes que ele afunde;

3. a perspectiva de alterações profundas na política energética sopradas pela futura administração norte-americana, que quer acabar em dez anos com a dependência da maior economia do mundo do petróleo do Médio Oriente e da Venezuela e tem como meta ambiciosa a redução das emissões de gases com efeito de estufa em 80% até 2050. Do plano de estímulo à economia, em preparação e que pode ascender aos 700 mil milhões de dólares, estima-se que 10% será aplicado na componente “verde” das tecnologias limpas. Será mesmo assim?

5.12.08

Direitos Humanos: um ideal que vive à espera de se cumprir


Sessenta anos após a assinatura e proclamação da Declaração Universal dos Direitos do Homem em Paris, todo essa humanidade e a sua descendência esperam ainda que o mesmo ideal, sonhado e saído das feridas da segunda e última declarada guerra mundial, essa carta plena de impressionante e crua actualidade que já dobrou um século, enfim se cumpra. Na circunstância do sopro das velas sexagenárias, o desejo mais ou menos secreto a pedir reafirma-se, como um espelho de seis décadas, com a aguda consciência de que nenhuma sociedade pode aspirar ao progresso e à justiça sem que o iluminado respeito pelos direitos humanos veja a claridade dos dias.
"A libertação da discriminação por motivos de raça, cor, sexo, linguagem, religião, opinião política ou de outra índole, origem nacional ou social, posição económica, nascimento ou qualquer outra condição – as promessas da Declaração Universal – permanecem como um objectivo difícil de alcançar para muitas pessoas em todo o mundo. Os direitos à liberdade de expressão, de associação e de reunião, que são indispensáveis para o funcionamento da sociedade civil, continuam debaixo de ataque sustentado em todas as regiões do mundo", resume ao weekEnd a Alta-Comissária para os Direitos Humanos das Nações Unidas, Navi Pillay. Os mesmos atropelos que fazem ainda tremer os alicerces da atitude universalista cravada no ADN da Declaração continuam a ser denunciados pela Amnistia Internacional. O relatório de 2008 mostra que as pessoas ainda são torturadas ou maltratadas em, pelo menos, 81 países, enfrentam julgamentos injustos em, pelo menos, 54 países e são proibidas de se expressar livremente em, pelo menos, 77 países. Um diagnóstico sombrio projectado na voz de Irene Khan, secretária-geral da organização: "Os governos devem mostrar hoje o mesmo grau de visão, de coragem e de compromisso que levou as Nações Unidas a adoptar a DUDH há sessenta anos".
Não será por esta razão considerada a cidade-luz, mas foi na capital francesa que a 10 de Dezembro de 1948 o mundo viu nascer a declaração que Eleanor Roosevelt acreditava "poder bem tornar-se a 'Magna Carta' de todos os homens em toda a parte". Um ano depois da morte do marido e de abandonar a Casa Branca, a antiga primeira dama norte-americana, apoiante das políticas do "New Deal" de Franklin Delano, tornou-se a primeira mulher a chefiar a comissão dos Direitos Humanos da ONU. O calendário viu correr mais dois anos de trabalho até chegar aquele Dezembro em que Eleanor, ladeada por René Cassin e John Peters Humphrey, apresenta a compilação dos 30 artigos que os países da ONU consideram ser os direitos garantidos de todos os habitantes do planeta. Aquele que viria a tornar-se o documento mais traduzido em todo o mundo (certificação garantida pelo livro de recordes do Guiness), é viabilizado sem votos contra pelos 56 Estados integrantes da Assembleia Geral das Nações Unidas, com 48 votos favoráveis e a abstenção dos seis países do bloco soviético, a União Sul Africana e a Arábia Saudita. Sem se assumir como um tratado ou um acordo internacional, a verdade é que "a escassez prática da invocação legal ou constitucional da Declaração foi largamente compensada pelo intensivo significado simbólico-político que se lhe associa". E este mesmo carácter moral e idealista, na opinião do constitucionalista Bacelar Gouveia, faz com que a segunda metade do século XX fique "indelevelmente assinalada" como um dos períodos de maior progresso da humanidade.
Em 1948 Portugal não era ainda membro das Nações Unidas – a admissão só viria a ser conseguida a 14 de Dezembro de 1955 – pelo que a votação da Declaração não convocava a nação para uma tomada de posição pública, mantendo-se o país à margem da discussão, da ratificação e também do próprio respeito pelos direitos humanos, após 48 anos de uma traumática ditadura com atropelos aos direitos fundamentais, em especial os de coloração política. No advento da democracia em Abril de 1974, uma das principais preocupações dos parlamentares constituintes era a de garantir a efectiva protecção dos direitos, reflectindo-se esta ânsia na profusão de propostas apresentadas nos dois anos seguintes para projectos de Constituição e na unânime generosidade do texto constituinte nacional em sede de direitos fundamentais. Em Novembro de 1976, Mário Soares e o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Medeiros Ferreira, assinam a Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Três décadas volvidas, nem toda a legislação e prática de progressos faz o país escapar ao diagnóstico crítico da Amnistia Internacional. "Mantêm-se impunes casos de violência contras a mulheres e episódios de maus tratos policiais", assinala o documento, que refere ainda a passagem em solo nacional de voos da CIA transportando alegados terroristas.
A eurodeputada socialista Ana Gomes tem assumido uma das vozes políticas mais críticas sobre o transporte e as práticas de tortura a prisioneiros, sobretudo na base militar norte-americana de Guantanamo, em Cuba. "Os governos [europeus] que passam a vida com os direitos humanos na boca têm impedido a descoberta da verdade porque são cúmplices", acusa, fazendo questão de "separar as águas entre os que defendem situações aberrantes como Guantanamo e os outros que denunciam que não vale tudo e somos diferentes dos terroristas". Ao weekEnd, a ex-embaixadora em Jacarta que assumiu na década de 90 papel diplomático de relevo no processo de independência de Timor, refere que os direitos humanos continuam bem presentes no discurso político contemporâneo, mas "infelizmente há um grande desfasamento entre a retórica e a prática", exemplificando com a "hipocrisia resultante das prisões secretas". A alta-comissária da ONU para os Direitos Humanos admite igualmente "sérias falhas na implementação". "Devemos reconhecer que por vezes os direitos humanos são postos de parte em nome da segurança", frisa Navi Pillay.
O mundo contemporâneo coloca novos desafios à carta dos direitos humanos? Ana Gomes sublinha a "responsabilidade de proteger" e mostra-se contra os "espíritos arreigados à soberania dos Estados", pois, defende, quando estes falham na protecção dos cidadãos a comunidade internacional tem a obrigação de intervir. Se encarnasse Eleanor Roosevelt na história, Ana Gomes não mudaria nada. "Se houvesse algo a acrescentar seria algumas práticas relativas à protecção dos activistas dos direitos humanos que são aqueles que estão mais vulneráveis", corrige, logo de seguida, a mulher que o "The Parliament Magazine" distinguiu recentemente com o Prémio Eurodeputados 2008 na categoria de 'Activista do Ano'.
Texto (não editado) publicado hoje no suplemento weekEnd do Jornal de Negócios

4.12.08

o rei do fraque

Venham agora falar-me em superioridade institucional por um declarado sentimento anti-benfiquista...

P.S. Trata-se do mesmo homem que teve a honestidade e decência intelectual de considerar o tremoço como o seu marisco favorito.