6.11.08

Ele é único, mas tem algo em comum com toda a gente

A vida de Barack Hussein Obama espelha as múltiplas vidas de milhões de compatriotas seus, aí residindo parte do sucesso, materializado em votos, que o leva à Casa Branca no próximo ano. Essa identificação, que na terça-feira, e ao contrário do que muitos temiam, ultrapassou largamente a cor da pele, coloca-o no topo do mundo aos 47 anos.

O novo presidente dos EUA não encaixa num estereótipo, antes preenche vários. Tem a pele negra, um percurso talhado por dificuldades, mas também a melhor das educações que até um norte-americano republicano pode sonhar para os seus filhos.

Aos 23 anos larga um bom emprego em Nova Iorque para ajudar os pobres e marginalizados de Chicago a mobilizarem-se pela comunidade. Serpenteia pelos corredores do poder democrata, derrubando barreiras e apagando reticências, até ser eleito, há quatro anos, apenas o terceiro afro-americano no Senado desde o final do século XIX.

Obama tem uma pouco usual combinação de experiências de vida. Nasce no Hawai, passa a infância na Indonésia, volta adolescente para estudar nas melhores escolas e universidades do país (Columbia e Harvard), descobre o sentido das origens no Quénia, trabalha com as comunidades pobres em Chicago, cidade que escolhe para berço político.

Uma vida tão preenchida que aos 33 anos escreve um livro de memórias, recordando as lições e angústias de 'Barry', como era conhecido. É nesse manuscrito que admite o uso de drogas durante a juventude e recorda um princípio que aprende ainda muito novo da boca do padrasto indonésio: a virtude de se rodear de homens fortes quando lhe faltam as forças.

Ao crescer na ausência do pai biológico queniano e com a mãe Anna, natural do Kansas, muitas vezes distante, com a morte prematura de ambos depois, Obama transforma-se à força num homem que deve decidir e resolver as dificuldades por si próprio. Hoje tem a América e o mundo todo a abraçá-lo, mas problemas como a grave crise financeira e duas guerras no terreno estão sobre os seus ombros e, de novo, vai ter que ser ele a encontrar soluções.

A eloquência e a grandeza dos seus discursos - os críticos falam em mais estilo do que substância - contrastam com um currículo político curto. A ascensão é meteórica: passa rapidamente de jovem promessa no senado do Illinois, para onde entra em 1997, a grande estrela em ascensão dentro do partido já como senador (2004). Quatro anos depois - e 145 após a abolição da escravatura no país -, menos jovem mas igualmente fotogénico, chega à Presidência.

Uma das características mais elogiadas ao novo inquilino da Casa Branca é a de saber ouvir. "Tem um ouvido para e eloquência", diz a apoiante e popular apresentadora de TV, Oprah Winfrey. Mas se esta qualidade de Obama sopra confiança aos americanos, ela acomoda-se ainda melhor na sensibilidade do resto do mundo, que desde os primórdios da Administração Bush, sonha com um interlocutor aberto ao diálogo em Washington. O confronto com a realidade não permite certezas, mas o multilateralismo racional cultivado por Bill Clinton pode voltar a dar frutos com Obama. Para gáudio da Europa.

Quando com o ar triunfante com que acorda todos os dias, entrou no parque onde 500 mil pessoas aguardaram horas para o aclamar, Obama não escondia mais pontas de cabelo grisalho do que na manhã gélida de Fevereiro de 2007 em que anunciou na escada do capitólio do Illinois o início da grande caminhada.

Com uma postura tranquila, um tom de voz suave e uma mensagem idealista no bolso, centrada na esperança e na necessidade de construir uma ponte para passar o rio que dividia os democratas, o novo presidente é sempre subestimado. Primeiro por Hillary Clinton, depois por John McCain: os dois maiores opositores dos últimos dois anos começaram por não compreender e acabaram a não saber lidar com aquela intensidade feita de aço que ia derretendo o eleitorado, a caminho da "terra prometida" do poder, onde chega a 4 de Novembro de 2008.

O seu sonho impossível, inspirado nas figuras de Martin Luther King e Malcolm X, materializa-se na madrugada de terça-feira com uma chuva de 'confetti' vermelhos, brancos e azuis. A mudança, assegura ele, chegou à América.

Texto publicado hoje no Negócios

5.11.08

4-Nov 2008



Ele teve um sonho. Ele foi o rosto da mudança e de uma nova esperança para o mundo.

A partir de hoje, Barack Obama passa a ser um mito apenas para os livros de História e torna-se um governante mais ou menos brilhante, cujo trabalho passa a ser escrutinado ainda com maior espírito crítico por esse mundo fora. O mesmo mundo que nele depositou tanta confiança e que lhe vai exigir a recuperação económica, uma nova regulação para os mercados financeiros e o regresso da diplomacia fina à conturbada política externa norte-americana.

Cavaco Silva que nos perdoe, mas a partir de agora Obama é o nosso Presidente.